‘Era um segundo pai’, diz neto de Manoel Alves de Athayde em entrevista exclusiva

‘Era um segundo pai’, diz neto de Manoel Alves de Athayde em entrevista exclusiva

Nesta segunda-feira, 24 de junho, a cidade de Mirandópolis completa 85 anos de fundação. A história do responsável por formar a cidade, Manoel Alves de Athayde, pode ser vista, lida ou ouvida em vídeos, livros, por pessoas que fizeram parte de sua trajetória e historiadores.

Entre tantas informações de seu fundador já registradas, desde o nascimento do antigo bairro São João da Saudade até o município de Mirandópolis, poucas puderam descrever como era o senhor Manoel Alves de Athayde, pai de 13 filhos. Com seu jeito marcante de tratar sem distinção amigos e desconhecidos e tendo em suas mãos sua indispensável cerveja caracu, Athayde foi figura primordial para o desenvolvimento da cidade.

Por isso, o AGORA NA REGIÃO entrevistou um de seus netos, Luiz Athayde Sobrinho. Ele, que reside em Mirandópolis, recordou os momentos que viveu ao lado do avô, revelou histórias exclusivas, entre elas uma pequena fortuna deixada por Manoel em um cofre que não pôde ser usada; contestou a idade que o avô faleceu e pediu à população que valorizasse a história da cidade.

Confira a entrevista completa

AGORA: Quem é o Luiz Athayde Sobrinho?
Luiz: Sou casado, tenho três filhos. Dois meninos e uma menina. O mais velho mora na Austrália e tenho um neto que mora lá também que é registrado em Mirandópolis. Outro filho mora em Indaiatuba, fez jornalismo. E minha filha Carolina, terapeuta. Sou aposentado como químico. Minha esposa também é aposentada como professora. Eu sai de Mirandópolis em julho de 1967 e vinha só a passeio. Voltei em 2012. Depois de 45 anos eu voltei de mudança para cá. Eu vinha todas as minhas férias e feriados.

AGORA: Como era Manoel Alves de Athayde para com as pessoas?
Luiz: Aquela história, em relação com a família, tinha parte que tratava ele bem, e ele respeitava. Os que não tratavam bem, ele também não dava mole. Agora, para o povo de Mirandópolis, ele foi muito bom. Teve gente que comprou terreno dele e depois não podia pagar e ele dizia que não tinha problema. O sonho dele era formar uma cidade. Getúlio Vargas começou a fazer as sessões de terras e seu Manoel começou a realizar seu sonho. Como ele trabalhou em estrada de ferro, sabia que se conseguisse trazer a estação ferroviária para cá, ele iria fundar a cidade, o que acabou ocorrendo. Ele fez muitas doações.  Aqui na cidade, seu Manoel já foi delegado, juiz, promotor, prefeito, padre, cartorário…Quando ele morreu, o velório encheu de gente.

Manoel Alves de Athayde e Ana Luiza da Conceição

AGORA: Era um homem bravo?
Luiz: Eu vi meu avô bravo duas vezes. A gente sempre teve um contato bem gostoso. Meu avô não chamava meu pai de filho, chamava de senhor. Meu avô era aquele sistema: eu poderia passar dez vezes por ele e nas dez tinha que pedir a benção. Era muito religioso, devoto de São João Batista. Sinto muita saudade daquela época. Quando minha avó morreu, os filhos resolveram pegar metade da fazenda que começava na Rua Japão e subia até a Casa das Crianças. Mas acabou não dando certo. Então, fizeram uma vila e a lotearam. Em homenagem a minha avô se chamou vila Ana Luiza da Conceição. O marco zero é naquele terreno que faz esquina da terceira idade. Ali está a pedra fundamental. Daí fizeram a homenagem levando o nome da rua dela.

AGORA: Como é para o senhor ter um avô que fundou uma cidade?
Luiz: Eu acho bacana, mas no Brasil esses valores são… (minuto de silêncio). Eu me sinto orgulhoso. Às vezes eu fico triste porque teve um dia que me deu vontade de pegar uma mesa e jogar na cabeça de um cara, que era advogado. Em uma conversa tive que ouvir que os fundadores de Mirandópolis eram Dr. Jorge (Maluly Neto) e Osvaldo Brandi de Faria. Eu engasguei com a cerveja. Eu respondi: “Quem são os fundadores? Você estudou em Mirandópolis?”. Depois o pessoal que estava próximo ficou olhando tudo aquilo assustado. Peguei um documento e mostrei para ele quem foi o fundador da cidade.

E outra, o que tinha de mais gostoso aqui já se perdeu, né? Aquela febre do desfile ginásio e comércio. Eu desfilava pelo comércio. Era uma rivalidade muito legal. Em julho tinha até competições como natação, xadrez, atletismo, futebol… Depois foi se perdendo.

AGORA: Por ser neto de Manoel Alves de Athayde, o senhor acredita que carrega alguma responsabilidade no município?
Luiz: Na época que morava aqui sim, pois era envolvido com esporte, mas fiquei fora 45 anos e agora estou refazendo novas amizades em Mirandópolis. Eu não sinto um peso, mas sim orgulho pela história e a trajetória do meu avó. A coisa que mais me mexe é lembrar a maneira que ele foi tratado no final da vida por algumas pessoas. A turma antiga fala e tem respeito, mas eu vejo que a geração de [década] 70 para cá perdeu um pouco essa história.

Luiz está colocando toda história da Família em um livro para deixar registrado para os netos

AGORA: Como o senhor enxerga a valorização da história da fundação de Mirandópolis nos dias atuais?
Luiz: Eu acho que hoje não tem valor para as pessoas, infelizmente. Inclusive, estava um dia em um barbeiro e tinha um livro que contava a história de Mirandópolis. Um cara olhando as revistas na sala de espera perguntou: “Essa porcaria ainda continua aqui?”. O barbeiro me olhou e eu disse a ele que nem valeria a pena falar nada. Eu que conheço alguns países, como Suíça e Austrália, a valorização da história por lá é muito grande.

AGORA: Lembrando do Manoel Alves do Athayde, tem alguma recordação que te marcou?
Luiz: Têm várias, pois foram muitas noites que ele ficava sozinho eu ia dormir com ele. Lembro que sentava perto da cama e ficávamos batendo papo. Depois que meu pai morreu, eu só tinha 17 anos na época, lembro dos vários conselhos que me deu. Considero meu avó como um segundo pai. Era um cara muito bondoso, tanto que lembro que muitas pessoas vinham falar para ele que não tinha condição de pagar um aluguel e ele falava: “Fica tranquilo que se você não puder pagar, Deus paga.” Com isso muitos deixaram as contas nas costas de Deus e não pagaram nada.

AGORA: O senhor lembra o que ele mais gostava de fazer em Mirandópolis?

Luiz: Beber uma caracu, todos os dias [risos]. Muitos brincavam que na época ele tinha uma falha no bigode de tanto que ele encostava a caracu. Tanto é que muita gente tem memória dele no Bar Jardim (antigo prédio da Volkswagen) e na cantina (atual prédio da ótica em frente à Pernambucanas). No dia em que ele foi receber a homenagem do busto na Praça Central, ele não queria esperar o discurso para cortar a faixa, ele já queria ir ao bar. Eu estava perto e lembro que quem segurou a faixa foi o Dr. Neif Mustafa. 

Outra recordação que tenho é que ele não comia carne na sexta-feira, caso ele fosse em algum churrasco ou fizesse algo em casa, ele guardava para o dia seguinte. Ele era uma pessoa muito religiosa e sempre falava: qual sexta foi a Sexta-feira da Paixão? 

Outra coisa, ele era apaixonado por catira, ver as pessoas dançando. Na casa que ele tinha perto da antiga Nestlé tinha uma sala especial para dança, pois as pontas das tabuas eram soltas para repicar quando dançavam. 

AGORA: O Manoel teria orgulho de ver a atual Mirandópolis?
Luiz: Acho que sim, pois era o sonho dele ver formar uma cidade. Ele abriu mão de tudo para formar uma cidade.

Algumas recordações do Manoel Alves de Athayde

AGORA: Tem alguma curiosidade dele que o senhor pode nos contar?
Luiz: No dia que ele morreu, abrimos um cofre cheio de moedas de prata e notas de Reis que não valiam mais nada. É que quando houve a troca do Reis para o Cruzeiro [Reis foi a moeda do Brasil entre os anos de 1942 e 1967] ele estava em uma fazenda no Mato Grosso. Como naquela época se fazia muito o trajeto em cima de um burro, ele nem voltou. Perdeu o prazo de troca do dinheiro. O que ficou dentro do cofre conseguiria comprar três municípios à época. Era um milionário que morreu pobre, apenas com sua aposentadoria.

AGORA: Qual mensagem o senhor deixa nesta data que Mirandópolis completa 85 anos?
Luiz: Convidaria as pessoas a valorizarem mais a nossa querida Mirandópolis. A população precisa ter mais carinho. Digo cuidar da rua, calçada, vila, bairro ou praça onde mora. Deixaria uma mensagem para as pessoas valorizarem a nossa cidade e a nossa história.

Curiosidades

  • Segundo os registros, Manoel Alves de Athayde nasceu em 1886 e faleceu em 1972. Porém, seu neto Luiz Athayde Sobrinho contesta essa informação dizendo que a irmã mais nova de Manoel morreu com 100 anos de idade. Manoel era quatro anos mais velho que ela. “Na família tem vários que morreram com 100 anos ou próximo disso. Eu acredito que ele morreu também com mais de 100 anos”, disse Luiz.
  • O nome de registro do fundador de Mirandópolis é Manoel Alves Dom Athayde’s
  • A mulher do Manoel Alves de Athayde é Ana Luiza da Conceição

                       
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