Profeta Gentileza: personagem que largou os bens materiais para defender a paz

Profeta Gentileza: personagem que largou os bens materiais para defender a paz

Gentileza gera gentileza. Não poderíamos começar essa matéria sobre José Datrino, o Profeta Gentileza, sem a famosa frase que ficou conhecida nacionalmente. O segundo filho de Paulo Datrino e Maria Pim, nasceu em Cafelândia no dia 11 de abril de 1917. Com dez irmãos, José Datrino teve uma infância de muito trabalho, na qual lidava diretamente com a terra e com os animais. Para ajudar a família, puxava carroça vendendo lenha.

O campo ensinou a José Datrino a amansar burros para o transporte de carga. Tempos depois, já como Profeta Gentileza, se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”. Desde sua infância, José Datrino já tinha um comportamento diferenciado dos meninos da sua idade. Quanto tinha cerca de doze anos, passou a ter premonições sobre sua missão na terra, na qual acreditava que um dia, depois de constituir família, filhos e bens, deixaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a buscar ajuda em curandeiros espirituais.

Quando os pais já moravam em Mirandópolis, quando ele tinha por volta dos 20 anos, José Datrino saiu de casa e deixou os pais preocupados porque não tinham notícias sobre o paradeiro do filho. “Quando o Zé sumiu meu pai foi atrás dele  e em todo lugar que chegava o pessoal falava que ele tinha acabado de sair. Meu pai foi entrando de cidade em cidade, mas nunca encontrava, sempre tinha acabado de sair. Meu pai foi até Bauru, daí acabou desistindo”, recorda Antônio Datrino, que detalha que o irmão (Profeta Gentileza) retomou contato com os pais quando já estava no Rio de Janeiro, depois de uns quatro anos, pois precisava de sua documentação.

José Datrino se estabeleceu no Rio e fazia fretes pra sustentar seu casamento com Emi Câmara. Gentileza chegou a ter uma transportadora de cargas (dois caminhões) na rua Sacadura Cabral, no centro da cidade carioca. Entretanto, tudo mudou depois do incêndio de um circo no dia 17 de dezembro de 1961, perto de sua casa. Considerado uma das maiores tragédias circenses do mundo, morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças.

Na antevéspera do Natal, seis dias após esse acontecimento, José Datrino acordou alegando ter ouvido “vozes astrais”, segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. “Veio uma voz na minha mente dizendo que teria que abandonar tudo que tinha, as minhas questões materiais, para um cumprimento espiritual na terra, viver para o Pai”, explicou José Datrino, o Gentileza, em um documentário de 1994 produzido por Dado Amaral e Vinicius Reis.

O Profeta pegou um de seus caminhões e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói. Aquela foi sua morada por quatro anos. Lá, incutiu nas pessoas o real sentido das palavras “Agradecido e Gentileza”. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar “José Agradecido”, ou simplesmente “Profeta Gentileza”.

Entre suas primeiras ações gentis, comprou com o resto de dinheiro que tinha, barris de vinho e foi para a Praça Arariboia, terminal hidroviário das barcas que cruzam de Niterói para o Rio de Janeiro. Ficava ali no desembarque servindo vinho em copinhos de plástico para quem descia das barcas. As pessoas perguntavam quanto custava o copo e ele dizia que não custava nada, mas que quando pedissem, que nunca dissessem ‘por favor’ ou ‘obrigado’, e sim  ‘por gentileza’ e ‘agradecido’”, conta Vinicius Daumas, diretor artístico do espetáculo circense “Univvverrsso Gentileza – o mundo é redondo e o circo arredondado” sobre a vida do profeta.

Pilastras do Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro

PREGAÇÃO PELO BRASIL

O Profeta Gentileza usava uma bata branca e levava em uma mão um bastão e na outra um estandarte com mensagens, cheias de símbolos que ele mesmo criou. Na ortografia, abusava da repetição de consoantes nas palavras para homenagear o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Viajou pregando para o Nordeste e para o Norte, mas a partir de 1980, escolheu 56 pilastras do Viaduto do Caju, que vai do Cemitério do Caju até a Rodoviária Novo Rio, numa extensão de aproximadamente 1,5 km no Rio de Janeiro. Ele encheu as pilastras do viaduto com inscrições em verde-amarelo propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar da civilização.

FAMÍLIA EM MIRANDÓPOLIS

Aos 75 anos, fez uma de suas últimas aparições em plena ECO-92, ainda no Rio de Janeiro. O profeta apareceu para pedir que as nações do mundo e seus presidentes adotassem a gentileza como forma de gestão. No ano seguinte, uma queda lhe rendeu dificuldades para andar. Sem saída, 33 anos depois de virar profeta e abandonar a mulher e filhos, 59 anos depois de deixar a casa dos pais, Gentileza se viu com sérios problemas circulatórios. Sem qualquer vínculo com sua ex-mulher no Rio de Janeiro, ele teve abrigo na casa da família em Mirandópolis. Passou aqui os últimos anos de sua vida, onde faleceu no dia 29 de maio de 1996, aos 79 anos, onde se encontra enterrado, no “Cemitério Saudades”.

Gentileza está enterrado em Mirandópolis

                       
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