Mãe valente: aos 100 anos, Dona Hirtz é símbolo de empoderamento, generosidade e amor em Lavínia

Mãe valente: aos 100 anos, Dona Hirtz é símbolo de empoderamento, generosidade e amor em Lavínia

Foto: Arquivo Pessoal / Dona Hirtz

Empoderada. Esse é o adjetivo feminino do momento. Mas se hoje, em 2025, ele já se tornou parte do vocabulário comum, imagine o que significava ser uma mulher empoderada nos anos 1940. Dona Hirtz de Lourdes Brandão Deiroz é uma dessas pioneiras. No próximo dia 25 de maio, ela completa 100 anos de vida — um século marcado por coragem, generosidade, amor à família, dedicação à comunidade e uma presença viva na história de Lavínia e Tabajara.

“Mãe valente…” É assim que a filha Magali Deiroz Lisboa define Dona Hirtz. Já a filha Marilza a descreve como sinônimo de amor. E é mesmo difícil encontrar adjetivos melhores. Nascida em Botucatu, filha única de Hintz Brandão e Matilde Brandão, desde cedo demonstrava um espírito livre e curioso. Apegada ao pai, acompanhava-o em suas constantes viagens e mantinha sempre sua mala arrumada com seus pertences, pronta para o chamado do pai. Ele sempre dizia ‘Quem estiver pronto, vamos’.

Desde criança, apaixonou-se pelos livros, quando por conta do alto grau dos óculos não participava das atividades físicas na escola. A biblioteca virou seu refúgio e seu universo. Mais tarde, esse gosto por aprender moldaria a mulher determinada que viria a se tornar.

CHEGADA EM LAVÍNIA

Na década de 1940, chegou com o pai à cidade de Lavínia. Visionário, Hintz presenteou a filha com um cinema localizado na Rua Alecrim, que se tornou ponto de encontro da população local. Dona Hirtz, ainda jovem, ajudava a trazer cultura e entretenimento para a cidade, promovendo sessões que reuniam famílias e amigos em torno da sétima arte.

Mais tarde, pai e filha fundaram juntos o Cartório de Registro Civil no distrito Tabajara. Após o falecimento de seu pai, Dona Hirtz assumiu definitivamente a função — um legado que ela preservou com dedicação. Foi oficialmente nomeada cartorária em 1944 e trabalhou aproximadamente 30 anos na função, onde deixou sua marca pelo profissionalismo e cuidado com cada registro.

Casou-se com Nancy Gaspar Deiroz, e juntos formaram uma família numerosa e cheia de amor. Da união vieram os filhos: Eduardo, Marilza, Hintz, Douglas, Magali e Magda. Os valores que o casal transmitiu continuam ressoando na vida dos 6 filhos, 13 netos e 15 bisnetos — frutos de um legado construído com princípios e afeto.

Dona Hirtz foi uma mulher muito à frente de seu tempo. Na década de 1950, com filhos pequenos e as dificuldades para uma mulher tirar carteira de habilitação, não era raro vê-la pegando carona para Tabajara e, por vezes, também para Mirandópolis, para cumprir com suas responsabilidades do cartório. “Ela sempre impunha respeito, mas nunca deixava de fazer o que tinha que ser feito”, lembra com orgulho a filha Magali.

Nessa caminhada, contou sempre com o apoio incondicional do marido, Nancy, que compreendia e valorizava o papel ativo da esposa fora de casa — algo incomum para a época. Essa parceria foi uma base sólida tanto para o crescimento profissional de Dona Hirtz quanto para a educação dos filhos.

Essa fase exigia muito dela. As filhas relatam que foi um período desafiador, pois Dona Hirtz precisava conciliar a vida profissional com a criação dos seis filhos. Mas ela soube se organizar com maestria. Mesmo trabalhando fora, não descuidava dos detalhes: era fina, elegante, gostava de se vestir bem, e os filhos eram sempre bem cuidados — com apoio fundamental da avó materna, que esteve presente no cotidiano da família.

Na criação das filhas, Dona Hirtz combinava firmeza com sensibilidade. Era rígida quando necessário, mas também sabia ouvir, compreender e ser flexível quando a situação pedia. A disciplina vinha sempre acompanhada de amor e exemplo.

Muito sociável e de espírito festivo, Dona Hirtz adorava comemorar seu aniversário — e fazia isso de maneira única: reunia amigos e parentes, mas doava os presentes recebidos para quem mais precisava. Também gostava de visitar amigos, especialmente a família de Dona Filó e do Seu Moisés Carvalho, com quem mantinha laços estreitos. Os finais de ano e os Natais eram celebrações especiais, cheias de união, alegria e partilha.

Em 15 de novembro de 1986, Dona Hirtz enfrentou uma perda profunda com o falecimento de seu companheiro de vida, Nancy. Pouco tempo depois, foi diagnosticada com Alzheimer. Com o uso de medicamentos, conseguiu manter-se lúcida por muitos anos, enfrentando a doença com dignidade e o apoio incondicional da família.

Para garantir que nunca estivesse sozinha, os filhos se revezaram ao seu lado. A filha Magda foi a primeira a morar com ela, dedicando-se por aproximadamente 10 anos. Desde então, Dona Marilza assumiu esse cuidado, e já está há mais de 20 anos convivendo com a mãe diariamente — numa rotina de presença, paciência e afeto. Comovida, Marilza resume o sentimento da família em uma frase que diz muito sobre a relação com Dona Hirtz: “Minha mãe não precisa de nós; nós é que precisamos dela.”

Hoje, Dona Hirtz ainda apresenta relances de lucidez e alguns reflexos — momentos breves, mas cheios de significado, em que seu olhar parece reconhecer a vida intensa que viveu e o amor que a cerca.

TRABALHO SOCIAL

Após se aposentar em 1978, mergulhou de vez no trabalho voluntário. Participou do Cursilho da Paróquia Nossa Senhora Aparecida e ajudou a fundar a APAL — instituição que até hoje cuida dos idosos de Lavínia. Mesmo depois de deixar o movimento, manteve sua missão silenciosa: tricotava sapatinhos e roupinhas de bebê para gestantes carentes, gesto que traduzia seu imenso coração.

Hoje, prestes a completar 100 anos, Dona Hirtz é lembrada não só como mãe exemplar, mas como uma mulher à frente do seu tempo. Um pilar de força, elegância e bondade que ajudou a construir a história de sua família e de sua cidade. Um legado de amor, dignidade e empatia.

Neste Dia das Mães, sua trajetória é celebrada com gratidão e carinho. Dona Hirtz não apenas criou filhos, criou gerações. E sua história continuará sendo contada por muitas outras.

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