Um século de sabedoria e fé: a jornada de Seu Coqueiro com a Folia de Reis em Mirandópolis
Seu Coqueiro com a filha Neusa. Foto: Eduardo Mustafa
Aos 97 anos, Zeferino dos Santos Coqueiro, mais conhecido como Seu Coqueiro, é o integrante mais antigo da Companhia de Reis Estrela da Guia, de Mirandópolis. Nascido em 1928, em Condeúba-BA, veio a pé da Bahia para São Paulo aos 14 anos, em busca de trabalho e esperança. Carpinteiro desde menino, trabalhou por décadas em fazendas e ajudou a manter viva a tradição da Folia de Reis, passada de geração em geração em sua família. Conversador, vaidoso e de bom humor, ele garante que a receita para chegar aos 97 com disposição é simples: “Namorar, comer bem e não esquentar a cabeça”.
Como foi sua vinda para Mirandópolis?
Vim pela primeira vez aos 14 anos, a pé, junto com meu pai e meus tios. Éramos uns dez homens, saímos da Bahia e viemos andando até aqui. Paramos 15 dias em Minas e depois seguimos viagem. Naquele tempo não tinha condução, não. Era na coragem mesmo.
Quando o senhor começou a trabalhar?
Com seis anos já ajudava meu pai, que era carpinteiro. Eu ficava olhando ele mexer com o formão, e quando ele dava as costas, eu tentava fazer igual. Aí aprendi. E quando cheguei em Mirandópolis já fui trabalhar. Fui roçar mato pra plantar café. Os patrões, as vezes, nem queriam me dar trabalho, pois além de muito novo eu era pequeno. Mas meu pai era fera para trabalhar, me colocava junto com ele e juntos fazíamos o serviço de três homens.
O senhor trabalhou muitos anos na fazenda do doutor Osvaldo?
Trabalhei mais de 65 anos! Toquei café, cuidei de roça, fiz de tudo um pouco. O doutor Osvaldo era bom patrão, médico. Foi uma vida inteira ali.
E a família, como ficou nessa época difícil?
Foi tempo duro. Quando a gente veio para Mirandópolis minha mãe ficou lá na Bahia passando fome, e eu aqui trabalhando com meu pai para ajudar. Um dia meu pai e meu tio ficaram doentes e eu quis buscar ela, mas o Dr. Osvaldo me alertou que eu era muito novo. Dei um dinheiro que eu tinha guardado à um tio meu para buscar ela. Aí ele pegou e buscou a família dele e deixou minha mãe lá.

E quando o senhor se casou?
Me casei em 1952. Eu e minha esposa tivemos oito filhos. Trabalhei muito pra criar todos. Me aposentei com 65 anos, mas continuei trabalhando até os 80, porque gosto de me ocupar.
E a Folia de Reis, como entrou na sua vida?
Isso vem de berço. Meu pai e meu avô já eram foliões. Sempre gostei. Hoje meu filho Detinho é o mestre da Companhia Estrela da Guia. A gente viaja, canta, e é uma alegria só. É nossa tradição.
O senhor usa internet?
Ué, e por que não? A internet ajuda a conversar, ver as coisas. E namorar. Isso é bom demais (risos).
O senhor também contou que conseguiu parar de beber. Como foi isso?
Foi um milagre de Deus e um médico de São Paulo. Parei de beber pelo ouvido! Em 1998, fiz um tratamento inusitado, fizeram um corte no meu ouvido, na orelha, deu ponto e tudo. Eles falaram que tiraram um negócio ligado a bebida. E eu nunca mais bebi depois daquele dia, foi uma libertação mesmo.
E o que Mirandópolis representa pro senhor?
É a minha casa. Quando saio e volto, só de me aproximar da nossa cidade, quando o ônibus vai passando pelos municípios vizinhos já fico feliz. Aqui é onde fiz minha vida.
E qual conselho o senhor deixa pra quem quer chegar aos 97 com essa energia toda?
É simples, namorar bastante, comer bem e não esquentar a cabeça (risos).

