ARTIGO – Alexandre de Moraes x Elon Musk: censura ou defesa da democracia?*

ARTIGO – Alexandre de Moraes x Elon Musk: censura ou defesa da democracia?*

*Por João Ricardo de Araujo (Foto: Arquivo Pessoal)

Nas últimas semanas, temos visto uma enxurrada de notícias e manifestações sobre o imbróglio político-jurídico que se criou entre o ministro do STF, Alexandre de Moraes, e o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), uma gigante rede social norte-americana. A disputa culminou com a determinação, pelo ministro, de proibição do uso do X no Brasil, na última sexta-feira (30), dentre outras medidas impactantes. O tema ganha especial relevância considerando que estamos em um já conturbado período eleitoral. Mas afinal, quem está certo nessa história e como isso pode impactar as eleições municipais que se aproximam? 

Para se entender o que está acontecendo, é preciso relembrar que o ministro Alexandre de Moraes ganhou notoriedade ao presidir inquéritos contestáveis no Supremo Tribunal Federal: o das fake news, de 2019, o das milícias digitais, instaurado antes das eleições de 2022, e o dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando prédios de poderes nacionais – incluindo o STF – foram invadidos por manifestantes contrários à eleição do presidente Lula. Esses inquéritos sofreram, desde o início, diversas críticas de parte da comunidade jurídica; não apenas pela suposta ilegalidade de sua própria existência no âmbito da Suprema Corte, mas também pelo teor das decisões monocráticas de Moraes, muitas vezes contestadas por ausência de fundamentação jurídica e embasamento técnico.

Não bastasse isso, recentemente vazaram conversas particulares de assessores do ministro Moraes, em que ficou nítida sua atuação estranhamente ativa na condução dos inquéritos em relação a determinados investigados, o que configuraria desvio de poder e abuso de autoridade. Paralelamente, o X e Elon Musk vêm expondo ao público decisões sigilosas assinadas por Moraes, em que foram determinadas remoções de conteúdo e exclusão de perfis de pessoas influentes, incluindo parlamentares, todos considerados politicamente de direita. Alertam que as decisões são ilegais e ferem o direito à liberdade de expressão. Com essa postura, a rede social passou a descumprir as decisões de Moraes e a taxá-lo de censor, alertando o mundo de que está havendo uma ditadura judiciária no Brasil, em que se pretende calar a voz de determinados personagens ao argumento de que eles colocam em risco a democracia no país.

Ficou claro que esses fatos irritaram o ministro Moraes, que passou a coagir o X ao cumprimento das decisões, indiciando Musk no inquérito das milícias digitais, impondo diversas multas – que nunca foram pagas – e ameaçando de prisão o representante da rede social no Brasil, sanção esta que soa bastante autoritária e inconstitucional. Com isso, Musk decidiu fechar o escritório representativo do X no país, demitindo dezenas de pessoas. Moraes não deixou por menos e determinou que a rede social indicasse um novo representante no Brasil para fazer valer suas decisões, sob pena de suspensão de suas atividades no território nacional.

Como esperado, Musk ignorou a decisão, fazendo com que Moraes determinasse às operadoras de internet o bloqueio do uso do X no Brasil, bem como de aplicativos VPN que possam burlar a proibição, aplicando uma vultuosa multa de 50 mil reais a quem utilizasse “subterfúgios tecnológicos” para acessar a rede social no país. Além disso, mandou bloquear todos os recursos financeiros e transações no Brasil envolvendo a empresa de satélites Starlink, da qual Musk é sócio.

É bem verdade que a lei brasileira obriga que empresas estrangeiras, para funcionar no Brasil, tenham representante legal aqui sediado. Essa regra vale também para as empresas de internet, mas é sabido que muitos dos sites e aplicativos estrangeiros, especialmente os menores, não a cumprem. Grandes empresas de tecnologia, como Google, Amazon e Meta possuem escritório no Brasil, até porque o país é um grande polo consumidor de seus produtos. O mesmo acontecia com o X, que sempre atuou fisicamente no Brasil, mas decidiu fechar seu escritório diante da jogada manifestamente ilegal do ministro Moraes, ao ameaçar seu representante com pena de prisão por crime de desobediência.

As ordens adjacentes, sobre os aplicativos VPN e a Starlink, igualmente, são autoritárias e ilegais. Não é possível que terceiros sofram sanções sem serem partes integrantes do processo. Ao pretender punir a Starlink, Moraes está atingindo centenas de acionistas da empresa, que nada têm a ver com o X. Além disso, é impossível que o Tribunal fiscalize e multe milhares, talvez milhões de usuários que venham a utilizar VPN ou outro subterfúgio para acessar o X no Brasil.

A esse respeito, aliás, o que temos visto é que grandes canais de comunicação, como a Folha de São Paulo e a CNN Brasil, continuam publicando no X normalmente, com a justificativa de que o acesso está sendo feito por correspondentes em outros países – uma evidente manobra para burlar a decisão e uma prova de que os brasileiros continuam a acessar o conteúdo do X.

Muitos defensores da atuação do ministro Alexandre de Moraes alegam que a decisão está correta porque o X não cumpre a lei, já que deixou de ter representante legal no Brasil. Mas esquecem-se que isso é um pequeno aspecto de toda a disputa de egos que foi criada entre os dois. Em outras palavras, esse fundamento, apesar de válido, é um mero subterfúgio para alcançar outras finalidades dentro de uma questão muito maior.

O que nós temos no Brasil hoje é uma atuação irregular do ministro Alexandre de Moraes, que – conforme vimos nesta segunda-feira (02) foi respaldada por seus pares da 1ª Turma do STF, em votação virtual, ao manterem a decisão de suspensão do X – ainda que com algumas ressalvas.

A rebeldia manifestada pelo bilionário estrangeiro está claramente associada aos diversos abusos praticados por Moraes nos últimos anos. Não sabemos exatamente quais as intenções de Musk com essa postura, mas o fato é que não é razoável pensarmos que pessoas possam ser proibidas de se manifestar publicamente apenas porque, na visão de um juiz, suas falas ameaçam a democracia. A liberdade de expressão é direito universalmente consagrado e, como tal, possui limitações, é claro. Porém, essas limitações devem ocorrer após sua manifestação, nunca previamente, de maneira preventiva. Não se pode proibir alguém de se expressar ao argumento de que suas declarações serão ofensivas. O Direito não existe para prever ações futuras, que podem ou não vir a ocorrer. E o pior, não se pode colocar esse poder na mão de tão poucas pessoas, atentando, desta vez sim, contra a democracia e a liberdade de expressão.

De qualquer forma, precisamos estar atentos a essa atuação demasiadamente política de ministros da Suprema Corte, que podem – e já estão – servindo de embasamento para que juízes de 1ª instância ajam da mesma maneira. Como exemplo, é possível citar a decisão de um juiz eleitoral de São Paulo que determinou a exclusão de todas as redes sociais de um candidato à Prefeitura da capital. O perigo é que a “moda pegue” e tenhamos mais episódios de censura prévia a candidatos e outras pessoas politicamente influentes.

A Justiça deve agir com rigor para punir e corrigir atitudes praticadas de forma ilegal, seja na internet ou no mundo físico. Essa atuação é especialmente importante e deve ser ainda mais célere na esfera eleitoral, pois condutas irregulares de candidatos e partidos políticos atentam contra o processo democrático. Mas é impossível que isso seja feito de forma prévia, proibindo as pessoas de se manifestarem em redes sociais, como vem sendo feito. Isso configura a mais cristalina expressão de censura e abre margem para que as decisões sejam cada vez mais contestáveis e passíveis de descumprimento. Não apenas por bilionários estrangeiros, mas pela própria população brasileira.

*João Ricardo de Araujo é bacharel em Direito pela UFMS e especialista em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura. Atuou por 16 anos no Tribunal de Justiça de São Paulo.


                       
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